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Por um novo modelo de negócios para as empresas contábeis

Muito se tem falado sobre empreendedorismo em negócios contábeis, nas transformações desse mercado e no futuro dos escritórios

Autor: Roberto Dias DuarteFonte: O Autor

Muito se tem falado sobre empreendedorismo em negócios contábeis, nas transformações desse mercado e no futuro dos escritórios. Quantidade considerável de empresários deste setor e profissionais que vivem este dia a dia ainda não se deram conta da real necessidade de mudanças. Na realidade, a maioria ainda concentra suas atenções em aspectos puramente técnicos ou operacionais.

Esse comportamento nos leva a cometer erros estratégicos que comprometem a sustentabilidade de nossas empresas. Custos altos, problemas com o fisco, multas, clientes complicados, colaboradores pouco preparados e nada motivados. Enfim, às vezes dá até vontade de desistir. A chave para solucionar essas questões está no novo modelo de negócios para as organizações contábeis. 

Fato é que todos nós enxergamos mais facilmente os erros cometidos pelos outros do que os nossos próprios equívocos. Por isso, escrevi a “estorinha" abaixo, que faz uma analogia do que está ocorrendo atualmente com o mercado contábil.

Certa vez um empreendedor planejou e criou uma belíssima cantina italiana. O ambiente era bem aconchegante, especialmente preparado para receber os fãs da gastronomia típica da Itália. Ingredientes selecionados, cardápio impecável, chef experiente e uma variada carta de vinhos compunham o cenário. Os preços, mesmo sendo um pouco acima da média dos restaurantes da vizinhança, não eram um fator impeditivo para o sucesso do negócio. 

A casa funcionava à noite, e era muito bem frequentada. Famílias comemorando alguma data especial, casais em busca do aconchego e profissionais em seus jantares de negócios deixam a lotação quase sempre completa. Ainda assim, graças ao preparo dos garçons o atendimento era excelente.

O tempo passou e o dono da cantina resolveu crescer, aproveitando a onda de vacas gordas do momento econômico. Sem pensar muito, decidiu também abrir para o almoço. A expectativa seria dobrar o faturamento.

De fato, a receita aumentou muito nos primeiros meses. Mas, aos poucos, o público do almoço, que era bem diferente do jantar, foi apresentando sugestões aos funcionários da casa, que prontamente convocavam a presença do patrão para ouvir o cliente. 

Preocupado com a satisfação dos frequentadores, o empreendedor apressou-se em implantar as sugestões recebidas. Primeiro, passou a oferecer o serviço de buffet por quilo, justamente para atender mais rapidamente aqueles que tinham o horário do almoço mais apertado. Depois, passou a servir outras opções gastronômicas: churrasco, arroz com feijão e até mesmo sushi e sashimi. 

A música ambiente foi eliminada. A carta de vinhos, por sua vez, foi acrescida com rótulos de nacionalidades diferentes e com preços mais “palatáveis”, entretanto, com qualidade duvidosa. Caipirinha e outros drinks mais populares foram incluídos no cardápio. 

A atenção e a acuidade dos garçons e dos demais funcionários já não eram mais as mesmas. O importante era a velocidade, mesmo que isso prejudicasse a qualidade da comida, da bebida e do atendimento.

O público noturno também já havia mudado drasticamente.  O mesmo perfil de clientes do almoço invadiu a noite em busca de uma comida barata e uma cerveja gelada antes de ir para casa. 

Espremido pela concorrência que oferecia “mais ou menos” a mesma coisa, os preços caíram junto com o lucro. “Não sei como esses restaurantezinhos da vizinhança conseguem trabalhar com preços tão baratos!”, reclamava o empreendedor.

O chef foi substituído por cozinheiros menos experientes, entretanto mais versáteis e menos onerosos ao negócio, e que estavam dispostos a fazer de tudo um pouco sem reclamar da qualidade dos ingredientes.

 Contudo, os custos aumentavam, do mesmo modo que a rotatividade dos colaboradores – cozinheiros e garçons não ficavam mais de seis meses no emprego. Treinamentos detalhados foram substituídos pela técnica “veja como ele faz e aprenda”. 

Até problemas com as autoridades sanitárias começaram a surgir. O gerente, um senhor experiente, fluente em casos da bella Itália, há muito havia deixado seu cargo. Seu substituto, com seus 40 e poucos anos, já estava a ponto de ter um enfarto. Contratar, orientar, “treinar”, apaziguar desavenças entre os colaboradores e ainda cuidar da logística de compras, tomavam todo o seu tempo. Já  os cuidados com a higiene foram delegados ao João, o cozinheiro-chefe… ou será o Manoel? 

O restaurante fechou. Com a primeira marola econômica as pessoas passaram a procurar opções mais baratas e o fluxo de caixa não aguentou. Aliás, os controles gerenciais também não estavam exatos e atualizados como antes. Por isso, o empreendedor ficou sabendo pelo gerente do banco, que havia quebrado e levado junto boa parte de seu patrimônio pessoal.

Essa estória fictícia ilustra exatamente o que vem ocorrendo com o mercado de negócios contábeis. Transformações silenciosas vêm se concretizando há mais de 10 anos e muitos ainda não perceberam.

Ao contrário da cantina italiana, ainda há tempo de transformar o modelo de negócios das mais de 80 mil organizações contábeis atualmente em operação no país. Claro que, para isso, será necessário um bom planejamento estratégico e o uso intensivo da tecnologia da informação como forma de agregação de valor para os serviços. 

O primeiro passo é definir formalmente a missão e visão da organização contábil. Esses pontos são base para o estabelecimento de estratégias.

Uma declaração de missão bem definida explica, pelo menos o seguinte: razão de ser do negócio, público-alvo, região de atuação, como a empresa gera valor para clientes e acionistas e como ela se diferencia das demais.

A visão, por sua vez, define como a empresa se vê no longo prazo. 

Michael Porter, em seu artigo What is Strategy, publicado na Harvard Business Review, explica que eficiência operacional não é estratégia, mas ambas são importantes para as empresas. Enquanto a primeira significa fazer melhor aquilo que os concorrentes também fazem, a segunda leva a efetivação de coisas que os concorrentes não realizam.  

Assim, um escritório que tenha como missão "oferecer serviços e soluções competitivas na área contábil ao mercado empresarial, de maneira rápida e eficaz (…)” deixa claro que a eficiência operacional faz parte de seu DNA. Contudo, não explica como ele gera valor para seus clientes, nem em que é diferente dos seus concorrentes. Isso conduz o mercado a perceber que seu “diferencial" será o preço.

Outra organização que atribua a sua missão "executar serviços contábeis e prover informações gerenciais (…)”, por sua vez explicita um diferencial competitivo e o público-alvo, ainda que de forma muito abrangente (empresas que querem informações gerenciais). 

Por outro lado, aquele que define que sua missão "é atuar de forma transparente, segura, rentável e com responsabilidade social junto às áreas Contábil, Fiscal/Tributária, Trabalhista e Societária, proporcionando aos supermercadistas a melhor solução para o seu crescimento e solidez” especificou melhor seu propósito, público-alvo, e como a empresa gera valor para clientes, acionistas e sociedade. Deixou claro também como se diferencia dos concorrentes.

 Dessa forma, o escritório contábil poderá definir seu modelo de negócios, que estabelece, basicamente: segmentos de clientes, proposta de valor, canais para entrega do valor, políticas de relacionamento com clientes, fontes de receita, recursos necessários para entregar valor aos clientes, parcerias estratégicas e estrutura de custos.

O modelo de negócios é específico de cada empresa, mas podemos apontar, a título de exemplo, dois modelos bem diferentes que serão bem sucedidos nesse mercado:

1. Grande escritório que atua em qualquer segmento empresarial cuja proposta de valor é a segurança de conformidade legal. O autoatendimento  eletrônico é um dos principais canais de entrega dos serviços. O relacionamento com clientes é impessoal para 80% da base. A principal fonte de receita é honorário mensal. A eficiência operacional nas atividades-chave (processo fiscais, trabalhistas e contábeis) demanda uma grande automação, padronização e treinamento. As parceiras estratégicas são realizadas com empresas do setor de tecnologia, capacitação e informações legais. 

2. Organização contábil  que atua em um nicho de mercado cuja proposta de valor é o apoio ao crescimento de seus clientes. O atendimento pessoal e personalizado é o canal mais importante, porém é suportado pelo autoatendimento  eletrônico na entrega dos serviços de menor valor agregado. O relacionamento com clientes é personalizado. A receita decorrente de honorários mensais é relevante para custeamento da infraestrutura, mas consultorias especializadas contribuem mais fortemente com os resultados. A eficiência operacional nas atividades-chave é consequência da segmentação, reduzindo custos de tecnologia, atualização e capacitação. Em algumas situações, o escritório contábil utilizará a tecnologia de seus clientes para execução de atividades, dispensando a contratação de sistemas (contábeis, fiscais, trabalhistas). As parceiras estratégicas são realizadas com entidade formadoras de opinião junto ao público-alvo.

 Fica claro, portanto,  que o contador 2.0, que é um empreendedor agora deve pensar muito além das questões meramente operacionais de seu negócio. Os modelos de negócio acima descritos são apenas exemplos de uma infinidade de opções estratégicas que podem e devem ser desenhadas para transformar o antigo escritório contábil 1.0. Portanto, antes de pormos as “mãos à obra” vamos colocar nossas mentes para trabalhar.

(*) Roberto Dias Duarte é sócio e presidente do Conselho de Administração da NTW Franchising, primeira franquia contábil do país.